Antes de avançar para a crítica e reflexão, gostaria de referir que sou daqueles que sente enorme orgulho com os sucessos do grupo Mota. A forma de ser e estar do criador do “império” com sede em Amarante e do filho que lidera a sucessão, António Mota, contagiavam pela simplicidade. Com uma forte presença no mercado da construção e obras, entrou na segunda geração em novas áreas de negócio. Ao sucesso em Angola, onde para além do negócio tradicional concretizou parcerias estratégicas com a Auto Sueco, apostou em Portugal na diversificação. À criação de empresas com vocação para a concepção, construção e exploração de infra-estruturas rodoviárias, juntou investimentos na cadeia dos transportes (portos, terminais e operação ferroviária). Conhecendo minimamente o posicionamento da Mota & Companhia e posteriormente com a fusão da Mota-Engil, sempre considerei estranho que um grupo com aquela dimensão não tivesse um político de carreira (como acontecia com outros) à frente do negócio. Não percebia que perante o facto de ser um dos mais importantes grupos económicos nacionais, resistisse a contratar para o topo da sua administração militantes políticos com a função de “porteiro” (político que tem a missão da abrir as portas legislativas e negociais). O anúncio da contratação da figura semi-mítica da política portuguesa de Jorge Coelho e dos seus heterónimos de S. Jorge da Porta Aberta, padroeiro das Causas quase Perdidas (resolvidas com chave-mestra) e de S. Coelho, patrono do Q.I. (Quem Indica, Quem Influencia, Quem Informa, Quem Indaga, Quem Interessa e Quem Introduz), fizeram acender a luz que faltava. De um grupo que pacificamente competia no mercado, ficou evidente que poderia a qualquer momento surgir um negócio estrambólico.
Esse negócio concretizou-se e dá pelo nome de prorrogação da concessão em 25 anos, sem concurso, do Terminal de Contentores de Alcântara (TCA). Muito mais do que um escândalo político, o negócio deixa evidente a incapacidade e o desleixo dos representantes dos interesses do Estado nas negociações.
Não está em causa a competência do grupo Mota-Engil para defender os seus interesses. Não nos podemos orgulhar quando os membros de um Governo, por inadmissível irresponsabilidade, colocam em causa todo o governo. José Sócrates não merecia isto. A Mota-Engil para o sucesso do negócio não precisava deste frete.
O que pouquíssimos sabem e outros ignoram, por perda de memória é que a decisão sobre o alargamento da área do TCA e a reformulação rodoviária e ferroviária do nó de Alcântara, já estava decida há mais de uma década e meia (1992/1993, governo PSD). O comendador Rodrigo Leite já em 1996 contava com a total concordância do Governo PS de António Guterres para este seu projecto, que por diversas vezes chegou a ser referido pelos secretários de Estado da tutela (Guilhermino Rodrigues e Consiglieri Pedroso), perante plateias de agentes económicos do sector.
Por estas e outras razões não está em causa o negócio (que provavelmente sem a certeza da sua concretização, a Mota-Engil não teria comprado a TerTir), o que está em causa são as irresponsáveis omissões no conteúdo do documento. Depois de uma leitura rápida, duvido que o contrato contenha ilegalidades processuais detectadas a olho nu, mas acredito que a esperteza dos fazedores da fundamentação dos textos sufragados pelo Governo, tenham deixado muitos raminhos de salsa e louro, que serão detectados pelos “cozinheiros” do Ministério Público e da Comissão de Transportes da Assembleia da República.
No meio de tudo isto, o País tem a agradecer a determinação e o papel de Helena Pinto, deputada do Bloco de Esquerda (BE). Sem rodriguinhos e sem rodeios, qual “Padeira de Aljubarrota” com a arma das palavras, fundamentada com a força da razão, serviu na Assembleia da República (AR) uma musculada argumentação. De “escândalo nacional” até ao acréscimo de lucros de 3,2 milhões, em horas, depois do anúncio do negócio, nas contas da Liscont, passando pela denúncia da Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) ter passado de 11% em finais de 2008, para os quase 14% à data da assinatura do contrato.
Para consolidar as suas denúncias, a deputada do BE usou o brilhante relatório do Tribunal de Contas, realizado com uma fundamentação que precisa de ser mais amadurecida para assim esgotar os descuidados esclarecimentos do Governo, através do Ministério dos Transportes, que perante um erro de Lesa-Pátria tenta fazer de todos nós uns burros.
Para mim não está em causa o contrato, o que está em causa é a esperteza de intencionalmente (?) os responsáveis da pasta não terem alertado todo o Governo para as omissões no contrato, que para além de passar o ónus do negócio para o Estado, ignora que o grupo concessionário opera um amplo leque de terminais dedicados a contentores, em distâncias geográficas insignificantes para o negócio do frete marítimo.
Renovação do terminal de Contentores de Santa Apolónia estranha
Se há algo de estranho nas omissões contratuais, de que através da TerTir o universo Mota-Engil controla (por exemplo) o Terminal de Contentores de Santa Apolónia (TCSA) e o Terminal de Contentores de Leixões (TCL), não é menos estranho que a intervenção do ministro Mário Lino, aquando da apresentação do novo Terminal de Passageiros de Leixões, que será deslocalizado para o lado Sul do porto, o governante tenha tido palavras sobre o turismo e ignorado que os benefícios naquele porto servem em pleno os navios de carga e muito especialmente os de contentores. Na ocasião Mário Lino argumentou “o Turismo de Cruzeiros tem registado um elevado crescimento à escala mundial e quando comparamos os 8 milhões de pessoas que fizeram um cruzeiro em 2001 com os 15 milhões de passageiros de 2008”, acrescentando “aliado ao facto dos navios de cruzeiros serem cada vez maiores em comprimento e tonelagem bruta, e estando o porto de Leixões limitado aos 250m, leva à necessidade de efectuar investimentos nesta área de negócio”. Disse e disse muito bem. Mas será que o senhor ministro não sabe que a justificação de proporcionar mais capacidade de calado também irá gerar ganhos para a operação de navios panamax nos terminais de contentores? Por que é que o ignorou? O mercado e a necessidade de uma aguerrida competição para a economia nortenha justificam o interesse do investimento. Ignorar os factos é o mesmo que duvidar das razões e das verdadeiras intenções de um investimento para fomentar a captação de tráfegos de navios de cruzeiros, quando em 2008 Leixões recebeu 54 navios e 25 mil passageiros, e no mesmo período o movimento de navios mercadorias foi de 2627, que proporcionaram a operação com 450 026 TEU. Será que no ministério alguém tem vergonha destes números? Ou será que pensam que quem está no sector anda a dormir?
As obras de Leixões, para novos fundos, bacia de rotação e um novo terminal de Cruzeiros não podem ser ignoradas numa negociação com o alcance de uma prorrogação de um contrato entre terminais de estão distantes a poucas milhas e algumas horas de viagem.
Omitir o potencial de crescimento do TCL, que será gerado com os novos fundos, para concorrer com Lisboa e a agressividade comercial da equipa liderada por Lopo Feijó é um erro de quem nada percebe do meio, mas que lhe meteram um rótulo técnico para representar o Governo e se permite fazer figura de ingénuo. E o burro sou eu?
Com Leixões com fundos na casa dos -15 os navios da geração Panamax vão poder usar o cais Norte e o cais Sul, como faca quente em manteiga. Ignorar os extraordinários sucessos comerciais da equipa de Lopo Feijó à frente do TCL, que ano a ano consolida a expansão das operações em espaços limitadíssimos é muito mau. Com a determinação de Lopo Feijó, Leixões que do nada fez obra, imaginemos o que fará com fundos capazes de captar novos tráfegos e navios de novas configurações com capacidades entre os 3000 e os 4500 TEU se não sabem, esperem para ver.
Ana Paula Vitorino, a secretária de Estado que já por diversas vezes reconheci como a mais séria candidata a desempenhar a função de ministra do sector, num próximo governo do Partido Socialista fica muito mal na fotografia. Podem todos os “pensadores” e advogados envolvidos escrever o melhor para os clientes que lhes pagam, mas Ana Paula Vitorino tem de ser a inteligência isenta do sector, quando está em causa a imagem do Governo e do partido que a acolhe. Se não se empenhou no acompanhamento do contrato falhou.
A prorrogação do contrato com o TCA é um desafio para todos, pelo que tem de ter bem definidas as regras para evitar o seu incumprimento dos movimentos previsíveis, através da fuga de cargas para portos vizinhos, operados pelo mesmo concessionário.
Muito mais do que os argumentos políticos, por vezes circunstanciais, importará fazer uma análise fundamentada sobre o realismo do contrato. Não tenho qualquer dúvida que se o Ministério Público conseguir reunir uma equipa capaz de analisar com detalhe as propostas de tráfegos, a movimentação, parqueamento e escoamento das cargas, sem esquecer a realidade inquestionável da existência na proximidade de outros terminais da mesma concessionária, não tenho grandes dúvidas de que o contrato tem tudo para não ser concretizado com sucesso.
Mas nestas coisitas de perda de memória, sobre o papel dos terminais e das condições de concorrência entre si, não é caso único neste Governo. Importará saber se foi equacionado o facto de com a ampliação da capacidade do TCA/Liscont, o grupo Mota-Engil passar a ter uma excepcional posição dominante no negócio nacional do movimento portuário de contentores. Será que não estamos perante o risco de concentração?
Será mais este um milagre de S. Jorge da Porta Aberta, que até afecta o discurso do Governo que vê os navios de passageiros no horizonte como um filão, ou houve a intenção de omitir que o grande beneficiado com estas obras de reformulação e reorganização do Porto de Leixões serve em pleno a necessidade proporcionar condições para a operação de navios Panamax no cais Norte?
Por outro lado o Governo ignorou nas comunicações públicas, vá-se lá saber porquê, que ao passar o Terminal de Cruzeiros para uma nova localização a Sul, o espaço actualmente existente para essas operações, situado mesmo ao lado do cais Norte do TCL, ficará livre. Será que o seu destino é ser entregue ao concessionário? Se o for, em que condições e preço? Enfim. Só a habilidade do argumento usado pelo Governo para o Terminal de Cruzeiros é que me leva a crer que o gato (ou coelho) escondeu-se, mas deixou o rabo de fora.
Nestes milagres da comunicação com a verdade desvirtuada, cá por mim também estranho o facto de ser anunciada a reformulação e afectação para junto do cais Sul do Terminal de Contentores de mais sete hectares, sem que o destino fosse fundamentado com objectividade, quando todos os que andamos nesta coisa dos transportes, sabemos que esse espaço já estava assegurado em negociações com os transportadores rodoviários de contentores (aquando dos protestos) para minorar o estrangulamento das operações do cais sul do TCL. Por que é que omite a verdade? Têm medo da verdade?
Com amigos assim, o Governo e José Sócrates não precisam de inimigos.
In Publico por :
Luís Abrunhosa Branco
(Membro da Associação Mundial de Editores de Transportes)
30 setembro, 2009
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