06 novembro, 2008

Ataque ao desenvolvimento de Lisboa e do país


As minhas desculpas por nao pedirmos autorizaçao a quem escreveu este belo texto... saido no Expresso.pt mas esta tao bom que nao resisti....


Caro Miguel Sousa Tavares


Pressupostos:
Não pertenço à Liscont nem à Mota Engil; nunca votei PS; não gosto do estilo caceteiro de Jorge Coelho.
Não sou manipulável. A minha intervenção é puramente cidadã. Nasci em Alcântara.
A campanha actual contra a Liscont (contracção de Lisboa-Contentores, a exemplo de Lisnave) é primária, ignorante, e indiscutivelmente demagógica. Curiosamente faz lembrar a das gravuras que não sabiam nadar.
Muitas das principais cidades da Europa e do mundo devem a sua criação à existência de condições portuárias que permitiram o desenvolvimento das respectivas actividades e da cidade. É o caso do Porto, Vigo, Barcelona, Valência, Bordéus, Marselha, Roterdão, Antuérpia, Hamburgo, Nova Iorque, Boston, Filadélfia, Xangai, Hong-Kong, etc. Há casos de cidades que definharam quando perderam parte da sua actividade portuária, Bordéus, Nantes, Boston, Filadélfia, são exemplo. Muito mais que muitas outras cidades, Lisboa criou-se e desenvolveu-se, e já foi uma das mais importantes cidades europeias, graças ao seu porto. O Porto de Lisboa é a razão de ser da cidade.
O tráfego mundial de contentores procura constantemente os portos mais competitivos para a sua actividade. Não somos nós, nem os governos, que determinamos para onde devem ir os contentores. São os “contentores” que escolhem o seu destino. Ou vão para onde querem ou não vão. Como dizia o outro, “é a economia, estúpido”.
Está largamente provado que para o sucesso de um terminal de contentores de exportação-importação é indispensável a existência de uma mancha urbana densa num raio de 50 km do terminal. Daí o relativo insucesso de Sines e Setúbal. E o relativo sucesso de Lisboa e de Leixões. A actividade económica, quer se queira, quer não, está em Lisboa e a Norte de Lisboa.
Os maiores Portos de Contentores Europeus são: Roterdão, 10.8 milhões de TEU (Twenty Equivalent Unit: um contentor de 40’= dois contentores de 20’), Hamburgo, 9.9 e Antuérpia, 8.2. Em Lisboa ainda só estamos a falar em 1 milhão, num horizonte previsível, apesar de Lisboa ter condições naturais excepcionais aliadas ao facto de 40% do tráfego mundial de contentores passar junto das nossas costas. A indústria portuária pode e já deveria ser uma das nossas Nokias.
O Município de Hamburgo exibe actualmente, com orgulho, uma pequena exposição sobre o seu Porto. Nesta exposição podem ler-se frases como “Porto de Hamburgo: Motor da Economia” e “O Porto de Hamburgo gera 156’000 empregos”.
Mais de 90% das mercadorias são transportadas, a nível mundial, por via marítima. Para transportar todos os contentores de um navio moderno são necessários 6’400 camiões ou 160 comboios. Tendo em conta que a emissão de CO2 é de 88 g por tonelada transportada e por quilómetro em camião, 24 em comboio e apenas 7 em navio, é indispensável, para reduzir o impacto ambiental, transportar o máximo de mercadorias, até o mais próximo possível do destino, por via marítima. Para além dos custos. É mais barato transportar uma tonelada de Xangai a Hamburgo por via marítima do que transportar a mesma tonelada em camião de Hamburgo para Berlim.
Tentar impor terminais na outra banda seria, por um lado diminuir a competitividade do Porto de Lisboa, por outro fazer com que um milhão de camiões ou centenas de comboios, atravessassem o Tejo, obrigando à construção de mais pontes a juntar às novas que serão necessárias para os 18 milhões de passageiros gerados pelo eventual novo aeroporto.
É um disparate completo querer transferir os contentores e o aeroporto para a margem esquerda do Tejo. Os contentores e os passageiros querem vir para Lisboa e para o norte de Lisboa. Não querem ir para o “deserto”. Irão para outros lugares mais atractivos com gravíssimas consequências para o desenvolvimento do país. A não ser que se queira transferir Lisboa para a Outra Banda.
Para o sucesso de um terminal de contentores é indispensável massa crítica. E a massa crítica ideal começa no milhão de contentores ano. E, no Portugal actual, só Lisboa tem capacidade para gerar esse tráfego.
A Liscont foi criada em 1985. Desde 1986 que existe o tal “muro de caixas de ferro” e parece, que até há pouco tempo, ninguém tinha dado por isso. Muitos até elogiaram a estética industrial dos pórticos de contentores, de concepção e fabrico portugueses, que em conjunto com a ponte criam uma imagem de dinamismo para quem entra em Lisboa vindo do Sul.
Há ainda outro factor a ter em conta que é o do prazo das concessões. No caso dos Portos, o Estado é o landlord. Todos os equipamentos pertencem ao concessionário. Um pórtico para carregar e descarregar contentores custa mais de 5 milhões de euros. Para movimentar um milhão de contentores são necessários mais de 12 pórticos, o equivalente a mais de 60 milhões de euros. Para proceder ao parqueamento dos contentores é indispensável outro tipo de máquinas, pórticos de parque, reach stackers, empilhadores, cujo total de investimento se aproxima também dos 60 milhões de euros. Ninguém no mundo estará disponível para investir 120 milhões de euros em equipamentos se não tiver à sua disposição um horizonte temporal que lhe permita amortizar os investimento e garantir algum lucro. Tendo em conta que um Pórtico de Cais tem uma vida útil superior a 25 anos, nunca será interessante uma concessão por período inferior.
Para o sucesso de um terminal é indispensável um trabalho contínuo de atracção e de fidelização de clientes oferecendo serviços eficientes e competitivos. É isso que a Liscont tem sabido fazer ao longo dos seus 22 anos de existência. Seria um contra-senso interromper esse ciclo.
Quando a Liscont foi criada encomendou à indústria portuguesa dois dos pórticos (4'400'000 de Euros cada, em 85) com que continua a operar actualmente (tem 3). Essa encomenda permitiu à Indústria Nacional de Equipamentos Pesados de Elevação adquirir as referências necessárias para a exportação tendo conseguido fornecer máquinas para mercados tão exigentes como Suécia, França, Bélgica, Estados Unidos.
Subitamente no verão passado todos descobriram o muro. A expansão da Liscont vai provocar apenas o avanço desse muro para o limite da Doca do Espanhol, tomando conta de um espaço que há muito já não é público, ocupado por velhos edifícios portuários que formam actualmente um muro muito mais alto que os contentores. Do ponto de vista do obstáculo ao desfrute do Tejo não há modificação. O muro já lá está há mais de 60 anos. Um terminal de contentores é uma indústria limpa.
E se não houver actividade portuária o que surgirá em seu lugar? Pelos exemplos conhecidos, Docas, Rocha, Barcelona, vão surgir montões de bares e cabarets, mais ao menos duvidosos, com ou sem striptease (e.g. Cais da Rocha que dá para a doca do espanhol). Trocar-se-ia uma alavanca económica para o país por uma actividade que interessa a uma pequena margem da população lisboeta. Para tirar partido do Tejo, Lisboa dispõe da magnífica Estrada Marginal, com os seus 25 km, a partir de Alcântara, para Poente, e que ninguém ameaça. Nasci em Alcântara e sempre a conheci como uma zona de actividades portuárias e industriais, que nunca me incomodaram.
Num país com uma economia ainda frágil todos temos de apoiar as iniciativas que apontem para um desenvolvimento sustentado através da exploração das vias que nos são mais favoráveis. Todos reconhecemos que uma dessas vias é a que resulta da nossa posição geográfica, ligados ao mar: Portos, Estaleiros Navais, Pesca, Equipamentos de Elevação, Turismo. Em todos estes campos já provámos as nossas capacidades. Há que as deixar expandir e desenvolver.
Cara Miguel, tenho seguido com atenção e com simpatia a sua carreira como escritor e jornalista. Li com apreço os seus livros. Considero que o episódio do almoço com o rei D. Carlos e a caçada é do melhor que conheço depois do Eça. Custa-me vê-lo associado a movimentos mais ou menos folclóricos em vez de apoiar, apoiarmos, com todo o nosso entusiasmo, o desenvolvimento do país.
Pretendi transmitir-lhe com esta missiva a minha posição como cidadão e transmitir-lhe alguma informação de que disponho.
Com um abraço do cidadão atento e admirador,

José Nunes de Almeida

BI 1362967

2 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Fazendas,

Apenas agora descobri o seu blogue. Li, com interesse, alguns comentários que aqui tem e asseguro-lhe que o adicionei aos meus favoritos. Congratulo-o pelo trabalho que aqui tem desenvolvido.

Quanto ao assunto em epígrafe, tenho que congratular também o Sr. Nunes de Almeida por tão irrefutável texto. Tal como ele, partilho a tristeza que é ver o ilustre MST a apoiar uma causa tão folclórica e ignorante. "Em tempo de guerra não se (deveriam) limpam armas" e tal como referido é triste constatar que há quem não veja a utilidade e o mérito do Porto de Lisboa, em particular, e da indústria marítima, no geral, tão mal tratados e abandonados que são em Portugal.

Abraço,
Pedro Baptista

Fazendas disse...

Obrigado pelo seu comment, e partilho inteiramente do que disse.

Melhores tempos virão, esperemos é que nao demorem muito mais...