No âmbito do procedimento de consulta pública do Plano Estratégico de Transportes 2008-2020 (PET), a Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza apresentou o parecer técnico a que o PÚBLICO teve acesso.
O Plano Estratégico de Transportes foi elaborado com base num conjunto de pressupostos inexplicáveis, tendo em conta a conjuntura económica nacional e internacional. Com efeito, as projecções económicas para os vários modos de transporte foram feitas com base em valores do PIB da ordem dos 2% de aumento, valor correspondente ao período 1998-2006. O documento refere mesmo que se baseia num “estudo de 2006 da União Europeia [que] aponta uma taxa de crescimento médio anual do PIB, para o período 2011 a 2020 e para a média dos Estados-membros, de 2,2%. (...) Para Portugal, o mesmo estudo arrisca 2,4% (...)” (pág. 205). Ora, desde finais de 2007, e durante todo este ano de 2008, que estas previsões estão a ser sistematicamente revistas em baixa, preconizando-se actualmente uma estagnação para Portugal, senão mesmo um crescimento negativo, pelo que é absolutamente incompreensível a utilização destes números para a obtenção de projecções.
Mais ainda, o Plano assume, desde o início, que um dos seus objectivos é cumprir os Planos anteriores, independentemente da actual conjuntura ou dos novos enquadramentos territoriais, ambientais e económicos. O caso mais paradigmático será o da conclusão do Plano Rodoviário Nacional, o PRN2000. Após a construção de várias vias rodoviárias que se vieram a revelar ineficientes e inúteis do ponto de vista da procura (contrariando de forma flagrante as projecções iniciais), em plena crise energética e ambiental, o Plano insiste claramente na prossecução de objectivos que, no mínimo deveriam ser revistos e equacionados.
Nem por uma única vez, o Plano tem em consideração os impactes decorrentes do agravamento do fenómeno das alterações climáticas. O Plano menciona efectivamente a existência da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável, o Programa Nacional para as Alterações Climáticas, o Plano Nacional de Eficiência Energética e os Planos e Programas de Melhoria da Qualidade do Ar, mas apenas enquanto documentos de referência que nunca são de facto tidos em consideração na elaboração do próprio Plano. A Avaliação Ambiental Estratégica do Plano também refere explicitamente esta lacuna (pág. 133).
OS ERROS DE ESTRATÉGIA DO PLANO
A Quercus entende que o Plano Estratégico de Transportes apresenta um conjunto de erros flagrantes, que poderemos considerar mesmo erros de estratégia. Longe de apresentar uma visão holística e estratégica para o sector dos transportes, o Plano faz uma análise isolada de cada uma das suas vertentes, não considerando as potenciais sinergias entre os vários modos de transporte, quer de passageiros, quer de mercadorias. Este mesmo aspecto é referido na Avaliação Ambiental Estratégica (pág.132).
O documento agora em consulta pública procura apresentar tão somente uma justificação, na maioria das vezes pouco credível, para um conjunto de opções politicas previamente tomadas.
O Plano Estratégico de Transportes apresenta um orçamento total de cerca de 29,2 mil milhões de Euros. Considerando que os modos de transporte mais eficiente em termos energéticos são o marítimo e o ferroviário, não deixa de ser algo inexplicável a opção pelo investimento de 38% do total orçamentado na rodovia e apenas 4% no sector marítimo. Dos 42% previstos para o sector ferroviário, cerca de 70% estão previstos para a Rede de Alta Velocidade, restando pouco mais de 3,6 milhões de Euros para a restante ferrovia, o que se afigura manifestamente pouco.
A Quercus aponta 6 grandes erros estratégicos no Plano Estratégico de Transportes:
1. Análise isolada dos vários modos de transporte. O Plano negligencia as potencialidades de uma verdadeira articulação entre as várias modalidades de transporte quer de passageiros, quer de mercadorias.
2. Aposta na conclusão do Plano Rodoviário Nacional. É absolutamente incompreensível a opção pelo gasto de 38% do orçamento em mais vias rodoviárias, considerando a necessidade reconhecida no Plano de se atingir uma maior repartição modal e de inverter a tendência, cada vez maior, de utilização do transporte individual. Este aspecto é tanto mais grave, quanto uma parte relevante do investimento se refere a vias rodoviárias suburbanas, entre as quais se encontra a Terceira Travessia do Tejo, o que irá contribuir para o aumento das emissões de gases com efeito de estufa, e consequentemente, para o agravamento da poluição do ar e para a dificuldade no cumprimento dos nossos compromissos com a União Europeia em matéria de alterações climáticas.
3. Aposta na construção do Novo Aeroporto de Lisboa. Dada a conjuntura actual, em que se verifica um decréscimo dos números de voos e uma crise global no sector, este investimento deveria ser reequacionado, procurando a rentabilização do Aeroporto da Portela, e reavaliando a eventual conjugação com um aeroporto periférico para as companhias low-cost.
4. Restrição do investimento na ferrovia à Linha de Alta Velocidade. Este é talvez o exemplo mais paradigmático da forma como o Plano analisa isoladamente cada modo de transporte. A Linha de Alta Velocidade (que será muito mais que o TGV, mencionado no Plano) poderá constituir-se como um projecto vital de ligação à Europa, se conjugada com outros modos de transporte, nomeadamente com o transporte marítimo, de forma a escoar as mercadorias dos portos para a União Europeia. No entanto, a Rede de Alta Velocidade prevista não liga um único porto, ficando-se por uma mera ligação entre cidades. Para além desta, os investimentos ficam-se por medidas avulsas em linhas suburbanas, não se registando qualquer medida que vise a sua melhor integração nos sistemas suburbanos de transportes.
5. A ausência de um verdadeiro plano para o transporte de mercadorias. O Plano resume a sua visão do transporte de mercadorias às plataformas logísticas, que deverão ser os pontos da intermodalidade, esquecendo uma vez mais o potencial de uma verdadeira articulação entre os vários modos de transporte, e nomeadamente a modernização dos portos de forma a acolherem a ferrovia de mercadorias.
6. A ausência de uma visão integrada para as Áreas Metropolitanas. A manta de retalhos que são os sistemas de transportes das Áreas Metropolitanas não encontram neste Plano qualquer medida que potencie uma melhor integração dos vários sistemas de transportes, de forma a melhorar a sua eficiência ao nível da articulação de horários, da bilhética ou dos interfaces.
In Carga & Transportes
12 agosto, 2009
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