O helicóptero pousa na fragata Corte Real e a sua tripulação tem uma certeza: a embarcação que estão a seguir é um navio de piratas. Cinco fuzileiros saltam de imediato para um semi-rígido e em poucos minutos estão frente a frente com sete homens, de calções e camisa de cavas, a bordo de um pequeno skiff (embarcação rápida) chamado Hillal. Nenhum pirata fala inglês, mas os braços levantados são um dialecto universal. "Têm mais medo do que se pensa", explica Guilherme Almeida, 2.o sargento dos fuzileiros. "Nunca foram hostis."
O militar contou-nos o episódio na semana passada, no regresso da fragata da zona do Corno de África, onde durante quatro meses os portugueses integraram uma missão internacional - a Standing NATO Maritime Group 1 -, comandada, até 2010, pelo contra-almirante José Domingos Pereira da Cunha.
"Trabalhamos com a rapidez e contamos com o efeito surpresa. No momento da abordagem entregavam logo o material todo... Tentavam era fugir. Uma vez tivemos de fazer fogo de aviso para que parassem", conta o sargento. Agora os 220 tripulantes (23 dos quais mulheres) estão de volta. Julho é a época baixa para a pirataria: quando os ventos das monções chicoteiam os mares, as tempestades são demasiado violentas para os frágeis skiffs. O momento é de balanço. Segundo um relatório do International Maritime Bureau (IMB), nos primeiros seis meses do ano houve 240 ataques, mais do dobro dos verificados no mesmo período de 2008. As autoridades quenianas calculam que 16 navios, com pelo menos 225 tripulantes, estejam neste momento sequestrados nas águas da Somália.
No início da semana, também o primeiro vice-chefe do estado-maior da marinha russa garantiu que 5 mil homens ganham a vida com a pirataria no golfo de Áden. Já as Nações Unidas garantem que esta actividade provocou prejuízos na ordem dos 9 a 11 mil milhões. Só em resgates, os piratas acumularam 105 milhões. Os pedidos por navio podem variar entre os 350 mil euros e um milhão e meio.
Dinheiro para gastar "Encontrámos armamento portátil, uma RPG (lança- -granadas), comunicações e explosivos de ponta", contou Guilherme Almeida. A guarnição teve de enfrentar piratas armados com lança-rockets, sistemas de defesa portáteis, de GPS e telefones satélite que já não operam a partir de terra. "Lançam os ataques a partir de navios-mãe que podem estar a muitas milhas da costa." Na Somália, mar e terra funcionam num sistema de compensações. Se a anarquia terrena (o país encabeça a lista de estados falhados da "Foreign Policy") permite o reinado destes homens no mar, é o dinheiro que eles lá ganham que alimenta uma economia florescente em terra. Na Puntlândia, uma região do Nor- deste do país, a pirataria é hoje a principal actividade. Uma reportagem da BBC descreve como as pessoas correm para o porto da cidade de Eyl sempre que se espalha que há um novo navio sequestrado. "Põem as gravatas e a roupa fina. Chegam em Land Cruisers e com portáteis. Um diz que é o contabilista, outro que é o chefe de operações."
Nos últimos anos, Eyl transformou-se numa cidade de e para piratas. Começaram a surgir restaurantes, casas chiques e carros de luxo. Quando o presidente da região, Adde Musa, foi questionado sobre a riqueza dos piratas, a resposta foi: "É ainda maior do que se diz." É difícil imaginar esta fervilhante cidade de piratas ao olhar para o humilde Hillal, o skiff que repousa sob o sol de Lisboa no convés da Corte Real. Mas são estas pequenas embarcações que fazem tremer as grandes potências mundiais, como os EUA, a quem pertence o colossal porta-aviões Eisenhower, que acaba de surgir no Tejo.
In Ionline
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